sábado, 11 de junho de 2016

As propriedades da vontade popular e a corrupção

Bem vindos ao terceiro artigo da série constituinte do Devir Social. No artigo anterior, dissertamos sobre a função do voto e observamos que, por ele está sendo exercido de forma errada, um comportamento muito prejudicial está sendo perpetuado: a terceirização da responsabilidade. Isto significa que a população não está mais exercendo sua responsabilidade cidadã de cuidar do que é público, deixando isto a cargo dos políticos através do voto. Por mais que o político seja bem intencionado, ele não tem as propriedades da vontade popular e, portanto, não pode exercer suas funções. Isto nos leva a pergunta: que propriedades são essas e o que falta para a vontade popular exercer sua responsabilidade? É sobre isto que este artigo irá tratar.

Começaremos entendendo as propriedades da vontade popular, faremos listando-as e explicando-as.

Ela é absoluta: isto foi demonstrado na revolução francesa, pois a vontade popular pode encontrar, através da violência, um meio de revolucionar a sociedade e instituir um novo governo. Isto deve ser sempre lembrado para que a população sempre respeite a instituição sagrada do voto, e encontre através dele o programa que melhor lhe satisfaça de modo que ela não precise recorrer a violência, algo prejudicial a todos.

Ela pode se enganar: o voto institui que o desejo da maioria deve ser exercido, contudo, esta maioria pode estar enganada. É por isto que o voto não tem poder sobre a constituição federal, que defende que alguns direitos são mais absolutos que a própria vontade popular. É exemplo deles o direito a vida, a propriedade, a liberdade, a igualdade, a fraternidade.

Ela é capaz de aprender: uma decisão errada tomada por uma pessoa é uma oportunidade de ela aprender. O mesmo se aplica a vontade popular: a maioria que se enganou pode aprender e, nas próximas eleições, tomar as decisões que vão ao caminho que ela acredita ser o correto para a sua satisfação. É por causa disto também que existem direitos mais fortes que a vontade popular, pois mexer nestes direito é algo irremediável: ninguém pode ressuscitar um morto, por exemplo.

Ela é incorruptível: podemos definir a corrupção como o uso inadequado de uma função em benefício próprio e prejuízo de terceiros. Contudo, como isto pode se aplicar a vontade popular? Se a vontade popular deixa de agir em benefício próprio, qual o terceiro que irá se prejudicar senão ela mesma? Neste sentido não como adotar o conceito de corrupção na vontade popular. Para simplificar, dizemos que ela é incorruptível, e por ser incorruptível ela é a única capaz de combater a corrupção.

Ela é líquida e precisa de um meio de se solidificar, se tornar ação: imaginemos uma pessoa insatisfeita com alguma situação, irá buscar formas de mudar aquilo. Neste sentido a insatisfação é liquida, ela existe e ela está buscando uma forma de se solidificar. Em último caso, esta forma pode ser a violência, porém, a própria história encontrou diversos mecanismos para evitar isto, vários deles podem ser encontrados na constituição federal.

Ela não tem identidade: a vontade popular é uma aglomeração de direcionados através da estrutura social a qual aquela população está submetida. Pode até ter líderes, mas uma vez que esses líderes morram ou desistam da causa, outra pessoa irá tomar o lugar se a estrutura social daquela população ainda motivar aquela vontade. Desta forma, ou a vontade popular é concretizada, ou ela é frustrada através de ações paliativas ou por perceber que sua vontade impossível, ou  ainda toda aquela estrutura social terá de ser violentada para que haja inibição através da força e neste ponto podemos chegar a uma guerra civil.

Agora que observamos as principais propriedades da vontade popular, podemos nos perguntar: o que impede que ela exerça sua responsabilidade de cuidar do que é público e e a faz colocar isto nas mãos dos políticos, que por serem corruptíveis acabam por prejudicar toda a população? A conclusão imediata a que chegamos é que ela precisa de um meio para fazer isto. Afinal, é atualmente o interesse de todos que a corrupção acabe e que nossos serviços públicos funcionem melhor, mas ninguém sabe como fazer isto exatamente. Após essa conclusão, fica fácil perceber que é preciso desenvolver um meio para a vontade popular poder atuar na máquina pública de modo a tomar a responsabilidade para si e deixar os políticos apenas com os programas a serem aplicados. Mas, se essa é uma conclusão tão imediata, porque ainda não aconteceu? Chegamos aos inibidores da vontade popular.

Ora, quem tem dinheiro quer continuar a ter dinheiro. Irá usar de todos os meios para alcançar esta finalidade desde que o governo, através da lei, o contenha. Partindo deste princípio observamos os corruptos obtendo dinheiro através do próprio governo ao ignorar as leis. Como, então, inibir a ação deste corrupto, que prejudica a população? A partir da vontade popular, com sua propriedade de incorruptibilidade. Contudo, é natural da vontade popular só agir quando há um estopim, um evento que determine que agora é hora de mudar as coisas. A corrupção, por outro lado, é um evento de crescimento constante e vagaroso. Ou seja, não há estopim: a vontade popular fica sem saber quando agir e a classe corrupta se tornou dominante perante ela. É assim, por exemplo, que o cenário de corrupção e impunidade se instalou no Brasil.

Atualmente, se um ou outro popular decidir se revoltar e fizer alguma coisa, ele não irá fazer por um evento específico, mas sim porque ele quer, então não é a vontade popular que está se manifestando. Sendo assim, aquele que luta contra a corrupção tem identidade, e isto o torna vulnerável a violência e a própria corrupção vinda daqueles que tem poderes. Se ele for violentado ou desistir de sua causa, não haverá outro para substituí-lo e, inclusive, pode servir de exemplo para outros não se manifestarem sem motivo algum. Isto aumenta a sensação de impunidade que a população sente, e por não ter nenhuma bandeira específica para lutar, acaba por se frustrar e desistir de seguir o caminho da política como forma de encontrar uma vida melhor. Seguem, portanto, ou o caminho da religião, ou do trabalho quase escravo, ou do crime como forma de evolução. Isto alimenta ainda mais a corrupção, é quando chegamos a um cenário trágico e desesperador.

Nestes momentos surgem grandes nomes de coragem com algum modelo inovador, mas mesmo que se troque de governo, e este novo governo não seja corrupto, se a vontade popular não agir nele, a corrupção irá crescer e, novamente, todos os problemas do antigo governo irão reaparecer. Afinal, a população ainda estará terceirizando sua responsabilidade ao imaginar que a troca de governo é o suficiente para acabar com a corrupção. Resumindo: não há estopim para a luta contra a corrupção, portanto, movimentos contra a corrupção vão ser sempre individualizados e só irão acontecer quando ela estiver muito grave. Nesta situação, a corrupção terá forças para inibir individualizações e a vontade popular não terá mais nada a fazer além se frustrar e desistir da política. Pode até haver um estopim, mas será para a mudança de governo, não para a luta contra a corrupção.  Entendendo tudo isto, como desenvolver um meio para canalizar a vontade popular de modo a cuidar do que é público e lutar contra a corrupção? É o que iremos discutir no próximo artigo. Abraço a todos.

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